Beijo atualizado

No corre-corre de um grande centro urbano, as pessoas parecem não notar umas as outras, até que um acidente no trânsito muda essa rotina. É o que acontece quando um anônimo atropelado ganha a atenção dos pedestres, não especificamente pela possibilidade da sua morte, que fatalmente acontece, mas pelo pedido inesperado que ele faz a um jovem que corre em seu socorro. Antes do último suspiro, o acidentado pede um beijo, desejo prontamente atendido.
 A inusitada cena dos dois homens se beijando em meio ao caos da cidade é flagrada por dezenas de pessoas munidas de aparelhos celulares e o caso ganha repercussão imediata nas redes sociais.
Américo Nunes
“O beijo no asfalto”, espetáculo escrito em 1960, foi atualizado em 2012 com direção de Cláudio Lira“O beijo no asfalto”, espetáculo escrito em 1960, foi atualizado em 2012 com direção de Cláudio Lira

Esse é o enredo básico do espetáculo “O beijo no asfalto”, escrito por Nelson Rodrigues em  em 1960, onde o mais carioca dos autores pernambucanos aborda temas recorrentes e atemporais como violência, trânsito, preconceito, sensacionalismo e manipulação de informações.

O texto foi devidamente atualizado em 2012 pelo diretor pernambucano Cláudio Lira, e a montagem será encenada este sábado e domingo em Natal, sempre às 20h, no Barracão Clowns em Nova Descoberta. A sessão de amanhã, por sinal, será seguida por debate com o público sobre os temas que permeiam o espetáculo – o bate-papo contará com presença do próprio Cláudio Lira, o diretor dos Clowns de Shakespeare Fernando Yamamoto e a atriz Titina Medeiros, com mediação da atriz e produtora Andrêzza Alves. A passagem pelo RN faz parte de um giro nacional promovido pela Funarte que inclui apresentações em João Pessoa, Recife e Porto Alegre. A montagem estreou no Rio de Janeiro em agosto do ano passado, dentro do projeto “Nelson Brasil Rodrigues: 100 Anos do Anjo Pornográfico”, e em seguida foi apresentada no Recife, dentro do Festival Janeiro de Grandes Espetáculos.  “As questões contidas nessa obra de Nelson Rodrigues são extremamente atuais”, observou Cláudio Lira em entrevista por telefone ao VIVER. O diretor adianta que o texto está na íntegra, tendo sido retiradas apenas as referências de localização e alguns termos datados: “Trata-se de uma situação que pode acontecer em qualquer lugar, um recurso da narrativa que confere maior possibilidade de identificação do público”, aposta Lira. Detalhe: há referências reais na história escrita por Rodrigues.

Manipulação da verdade
O perfil contemporâneo da encenação é reforçado pela utilização de recursos audiovisuais: no intervalo entre os atos, o público vira telespectador de um programa policial fictício que faz entrevistas reais sobre o acidente. Apresentado pelo radialista e repórter policial Cardinot, bastante conhecido no Recife por lidar com esse tipo de notícia, fato que torna a intervenção perfeitamente verossímil, o programa traz depoimentos inusitados e até engraçados. “Mesmo sendo tudo invenção, algumas pessoas afirmam terem presenciado o acidente. E não há nada combinado, foi tudo muito espontâneo e real”, garante.
Américo Nunes
Peça integra projeto Funarte “100 anos do Anjo Pornográfico”Peça integra projeto Funarte “100 anos do Anjo Pornográfico”

Lira acrescenta que Cardinot começa a aumentar a história já no programa, dizendo que que os dois homens mantinham um caso. “Em ‘O beijo no asfalto’, Nelson Rodrigues lida com a manipulação da verdade, a criação de mitos instantâneos, entre outros temas”. Outro ponto que vale ser ressaltado, valoriza o diretor, “é o paralelo traçado entre a peça rodriguiana e a tragédia grega, onde o herói (quase que invariavelmente) tem um destino fatídico”. Para amenizar as cenas mais violentas do texto, a montagem pernambucana cria alternativas pontuadas pela iluminação. “Não há como fugir da violência, o tema está intrínseco”. Cláudio Lira disse que o espetáculo ainda não realizou temporadas devido os encargos incididos sobre a obra de Nelson Rodrigues, entre as maiores do país. “A grande dificuldade de se montar Nelson é o custo dos direitos autorais, o que acaba tornando quase inviável as produções. Cada apresentação é negociada de forma individual”, informa.

Serviço: Encenação de “O beijo no asfalto”, sábado (18) e domingo (19), sempre às 20h, no Barracão dos Clowns – Nova Descoberta. Ingressos: R$ 20 e R$ 10 (meia). Informações: 3221-1816. Censura 16 anos.

Por : Yuno Silva - repórter / tribuna do norte

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