Por Marcelo Flecha Diretor teatral

reflexão semanal do amigo Marcelo Flecha:

Ainda adolescente, ou nem tanto, quando passava por algum bloqueio criativo, entrava debaixo de uma grande mesa que havia na pizzaria Tutti Frutti – local onde amassava e assava pizzas enquanto pensava em Kantor e Grotowski. Essa mudança inusitada de posição, de perspectiva, de olhar, me auxiliava a ver as coisas de outra maneir
a, subverter o ponto de vista, deslocar a estruturação do pensamento, colapsar o raciocínio lógico. Funcionava. Com o passar do tempo, as estratégias foram mudando, sempre no intuito de oxigenar a criatividade, matéria-prima do meu ofício. A arte teatral, como expressão artística, é mais desafiadora do que qualquer outra. Tudo o que se cria se esvai com a morte do espetáculo e o que fica não supera uma amena lembrança. O golpe criativo de um cineasta perpetua-se. Mesmo sendo medíocre, bastará um único lampejo, que o eleve à condição de realizar um filme significativo, para consagrá-lo. A revolução criativa de um escritor será lida por séculos. Se o autor não for genial, ainda assim, sua obra será "não lida" por séculos. Todavia, nenhum jovem espectador poderá dizer que respirou a genialidade de Victor García, no máximo ouviu falar ou contemplou algumas estáticas imagens fotográficas. No teatro, a criatividade sempre será exigida quantitativamente, porque uma peça nada mais é do que a anterior à próxima, demandando do artista um vigor criativo continuado. Para manter o frescor inventivo, sempre me dispus, mesmo que fosse debaixo de uma mesa. Sei que, entre os leitores, há alguns jovens teatreiros com opiniões inexoráveis. Estejam atentos à ruptura, à mudança de rota, aos desafios de se reinventar, de surpreender a si. Mantenham-se fecundos para poder permanecer produzindo sempre, senão padecerão no inferno do esquecimento ou no purgatório da lembrança, contudo, padecerão. No teatro, só atinge o céu quem caminha permanentemente.

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