"Lampeão, sua história": Objetivos da primeira biografia erudita do "rei do cangaço"

 
"Lampeão, sua história": Objetivos da primeira biografia erudita do
"rei do cangaço"
 
Publicada no ano de 1926, pela Imprensa Oficial do Estado da Parahyba,
o livro "Lampeão, sua história", de autoria do jornalista Érico de
Almeida, é a primeira biografia erudita do "rei do cangaço".
Almeida militou anos a fio no Jornal paraibano "O Norte". Quando da
ênfase às inovadoras políticas públicas encabeçadas pelo governo
Epitácio Pessoa na presidência da República (1919-1921), engajou-se
como funcionário do Ministério da Agricultura, lotado no Escritório
deste órgão em Princesa (PB), cujo objetivo principal consistia em
combater a lagarta rosada, a qual era sério problema para a cultura
algodoeira, principal produto da pauta de exportações do Estado da
Paraíba na época.
 
 
"Lampeão, sua história": Objetivos da primeira biografia erudita do
"rei do cangaço"
 
(*) José Romero Araújo Cardoso
 
 
Publicada no ano de 1926, pela Imprensa Oficial do Estado da Parahyba,
o livro "Lampeão, sua história", de autoria do jornalista Érico de
Almeida, é a primeira biografia erudita do "rei do cangaço".
Almeida militou anos a fio no Jornal paraibano "O Norte". Quando da
ênfase às inovadoras políticas públicas encabeçadas pelo governo
Epitácio Pessoa na presidência da República (1919-1921), engajou-se
como funcionário do Ministério da Agricultura, lotado no Escritório
deste órgão em Princesa (PB), cujo objetivo principal consistia em
combater a lagarta rosada, a qual era sério problema para a cultura
algodoeira, principal produto da pauta de exportações do Estado da
Paraíba na época.
 
Quando do término do triênio Epitacista, houve total desestímulo dos
esforços, empreendidos por parte do sucessor, o mineiro Arthur
Bernardes, que escandalizado com a onda de corrupção que marcou o
período anterior desestruturou as obras de açudagem e outros projetos
importantes, incluindo a campanha contra as pragas que atingiam os
algodoais.
 
  Com o fechamento dos Escritórios do Ministério da Agricultura
espalhados pelo Estado da Paraíba, inclusive o posto estabelecido em
Princesa, Érico de Almeida ficou desempregado, como muitos outros,
tendo gerado a sensibilidade do "Coronel" José Pereira Lima, que
resolveu unir o útil ao agradável, talvez levando em conta o consórcio
do jornalista com mulher da localidade, da família Duarte, de nome
Rosa.
 
  Devido ao ataque cangaceiro a Sousa (PB), pois antes Lampião
desfrutava de proteção integral na região, graças ao acordo firmado
com o "Coronel" Marçal Florentino Diniz e seu filho Marcolino, Zé
Pereira se viu na contingência de desviar a atenção dos fatos através
da ênfase à literatura voltada para a negação do óbvio.
 
O ofício de jornalista auxiliou bastante Érico de Almeida quando foi
contratado para escrever o que seria a primeira biografia erudita de
Lampião, pois o costume de anotar tudo quando do exercício de suas
funções como funcionário do Ministério da Agricultura foi de
fundamental importância para a elaboração de sua obra.
 
  Os objetivos do livro são claros, pois negar a melindrosa relação de
coiterismo que existia há tempos imemoriais na região de Princesa não
era tarefa fácil. Lampião, sentindo-se traído, passou a berrar aos
quatro cantos as facilidades e as serventias de sua "profissão" aos
que estavam lhe perseguindo tenazmente devido à forma como se efetivou
o ataque cangaceiro à cidade de Sousa.
 
No livro "Lampeão, sua história" há a defesa que as perseguições aos
cangaceiros datavam de antes do "rei do cangaço" decidir enviar seus
homens para levar avante a vingança pretendida por humilde bodegueiro
da localidade de Nazarezinho (PB), então distrito de Sousa, contra
importante oligarca local de nome Otávio Mariz.
 
Episódios conhecidos da história do cangaço, como a morte de
Meia-Noite nos grotões ermos do saco dos Caçulas, foram deturpados
propositalmente a fim de eximir de culpas importantes personagens que
fizeram a história do movimento, como Manuel Lopes Diniz, conhecido
por Ronco grosso, homem da inteira confiança dos "Coronéis" José
Pereira Lima, Marçal Florentino Diniz e de Marcolino.
 
O livro de Érico de Almeida não cita que Lampião passou meses sendo
cuidado nos Patos de Irerê por dois médicos, depois que foi ferido
gravemente no tornozelo pelos disparos feitos pelos volantes
comandados pelo Major Teófanes Ferraz Torres, da força pública
pernambucana.
 
João Suassuna, presidente paraibano na época, é elevado à categoria de
verdadeiro santo protetor, exponencializando consideravelmente a
campanha deflagrada pelo gestor paraibano contra os cangaceiros. A
forma como Érico de Almeida trata Suassuna em seu livro levou
literatos de peso a afirmarem categoricamente que se tratava de um
pseudônimo utilizado pelo presidente paraibano para se autopromover.
 
Elpídio de Almeida afirmou que era Suassuna o real autor do livro,
enquanto Mário de Andrade, sutilmente, em "O Baile das Quatro Artes",
enfatizou que havia comentários de que realmente era Suassuna o autor
da primeira biografia erudita de Lampião.
 
  Em contato com pessoas que conheceram o jornalista, quando de sua
estadia em Princesa, a exemplo dos senhores Zacarias Sitônio, sua
esposa Hermosa Goes Sitônio e Belarmino Medeiros, todos residentes em
João Pessoa (PB) na época do resgate do livro de Érico de Almeida,
encontramos provas suficientes sobre a real existência do autor, como
a certidão de casamento e fotografia em que aparece discretamente o
jornalista.
 
Entrevistado em Limoeiro do Norte (CE), quando da fuga alucinada
depois da tentativa de ataque a Mossoró (RN), no ano seguinte à
publicação do livro de Érico de Almeida, Lampião destilou ódio contra
o "Coronel "José Pereira Lima, chamando-o de falso e mentiroso, pois
havia se beneficiado com todos os favores de sua "profissão" e depois
o havia traído.
 
Após a revolução de trinta, o livro de Érico de Almeida foi sendo
gradativamente esquecido, colocado entre os malditos, fruto de uma
estrutura carcomida que precisava ser apagada em prol da edificação de
uma nova ordem econômica, política e social.
 
Com o apoio indispensável do senhor Zacarias Sitônio,que
apresentou-nos o livro raro escrito pelo jornalista Érico de Almeida,
conseguimos resgatá-lo, no ano de 1996, após matéria publicada no
jornal paraibano "Correio da Paraíba", datado do dia 12 de agosto de
1995, sendo reeditado, setenta anos depois, pela editora universitária
da UFPB, que se responsabilizou pela terceira edição em 1998.
Não obstante os profundos vínculos com as estruturas de poder
dominantes na República Velha, era imprescindível que o livro
"Lampeão, sua história" saísse do ostracismo ao qual foi relegado
pelos novos mandatários que assumiram o poder com a vitória dos
revolucionários em outubro de 1930, pois cessando os exageros existem
informações preciosas sobre o ciclo épico do cangaço e sua época que
não podem ficar ocultas dos historiadores e dos que apreciam as velhas
coisas sobre o semiárido do nordeste brasileiro.
 
(*) José Romero Araújo Cardoso. Geógrafo (UFPB). Professor-adjunto do
Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais
da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Campus Central,
Mossoró/RN. Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRODEMA/UERN).
 
Autor:   (*) José Romero Araújo Cardoso

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