Aids hoje, condenação ou encontro com a vida?

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Atravessamos um período de significativas reflexões acerca da sobrevivência humana. Uma delas, a questão da aids, se apresenta como desafio que não pode ser escamoteado.

Como afirma Mann (1985:8): “Nosso desafio hoje – pessoal e coletivo – não deve ser subestimado. Temos nós confiança em nosso conhecimento, em nossa experiência, em nossas descobertas? Temos nós necessária coragem, força e imaginação? A epidemia – nossa especial responsabilidade – não vai esperar. Encontramo-nos, de modo inesperado e aterrador, em uma grande encruzilhada da história mundial”.

Em 20 anos de epidemia já são totalizados 42 milhões de casos de aids no mundo. Apenas 300 mil têm acesso ao tratamento, dentre esses, 135 mil estão no Brasil. A aids matou no mundo mais de 3 milhões de pessoas em 2002, e estima-se que 5 milhões contraíram o HIV ao longo de um ano. Já soma, aproximadamente, 13 milhões entre crianças e adolescentes infectados. Segundo o MS (Ministério da Saúde) no Brasil , já são 597 mil pessoas infectadas pelo HIV na faixa etária de 15 a 49 anos (0,65% da população). A aids tem sido a 2ª causa de óbito entre homens jovens e quarta causa entre mulheres. No Brasil já somam 120 mil óbitos desde 1980. São notificados cerca de 21 mil novos casos a cada ano. No entanto, a contradição entre a noção de risco individual e uma nova compreensão de vulnerabilidade social, ainda é um desafio que antecede as estratégias capazes de conter o avanço da epidemia.

Historicamente o fator de risco transmutou-se no conceito de “grupo de risco” difundindo-se amplamente através da mídia, o que definiu na década de 80, no surgimento da epidemia, as estratégias de prevenção equivocadas epidemiologicamente, produzindo preconceito, estigmatização, individualismo, segregação e outros “pecados sociais”. Para a Igreja, aids era vista como o salário do pecado, ou até a peste do Apocalipse.

Em meados da década de 80 o quadro pandêmico da aids já não podia ser negado. A epidemia já não respeitava limites geográficos, etnia, orientação sexual, religião, cultura etc. Surgem, nesse período, as estratégias de redução de risco com base no conceito de “comportamento de risco”. O novo conceito, de certa forma, minimizou o estigma dos grupos nos quais primeiro foi detectada a epidemia. No entanto, esta nova concepção também mostrou limites nas estratégias de intervenção na aids. Com ela, emerge a culpabilização individual, atribuída a displicência e a falha na prevenção.
A Igreja começa a lidar com os primeiros casos de portadores do vírus de diversas formas: as vezes culpabilizando, condenando e disciplinando o portador e as vezes apoiando, orando com eles e tentando aprender diante desta nova realidade os caminhos para ser solidária.

O movimento social e em especial “o movimento pelos direitos das mulheres, traz com a noção de empowerment (Batliwala, 1994, Heyzer, 1996), para o qual não temos tradução adequada, mas que poderia se aproximar de algo como empoderamento, uma perspectiva critica positiva para os modelos cognitivos que embasam os conceitos e praticas ligadas ao comportamento de risco. A discussão do empoderamento deixa claro que a mudança para um comportamento protetor na prevenção da aids não é a resultante necessária apensas de informações , mas passa por coerções e recursos de natureza cultural, econômica, política, jurídica e até policial, desigualmente distribuídos entre os gêneros, países, segmentos sociais, grupos étnicos, faixas etárias (Gupta, 1996)”. 1

A partir do final da década de 80, a epidemia assume sua face atual. É uma questão mundial. Rompe as fronteiras geográficas, se pauperiza e se heterosexualiza propagando-se rapidamente nas periferias, comunidades pobres e nos grandes centros urbanos.
“o HIV é um agente infeccioso universal e, portanto, todas as pessoas são vulneráveis a ele” (Parker etal, 1994).

Em 1996, dá-se inicio a terapia com a combinação de anti-retrovirais (coquetel) que não só contribui para a diminuição de internações, óbitos e ocorrências de infecções oportunistas, como também com o aumento da sobrevida das pessoas vivendo com o vírus e contribui ainda no avanço da percepção da aids, que entre os profissionais da saúde, deixa de ser encarada como uma condenação à morte e passa a ser encarada como uma patologia de caráter evolutivo, crônico e controlável.

No entanto, o custo financeiro ainda é altíssimo, o que torna a terapia inacessível para os mais vulneráveis a infecção e ao adoecimento, especialmente nos países do terceiro mundo, e ao contrario do que se pensava, não há freio em relação a expansão da epidemia.

Evidenciam-se no entanto, tendências que caracterizam a face da aids hoje como a heterossexualização, a feminilização, a interiorização, a jovialização e ainda a pauperização que denunciam a “convivência complacente” 1 com o problema por parte do poder publico. É nesse momento que ganha espaço as proposições que defendem estratégias de controle de alcance social e ou estrutural. Dentre estas, as ações da ação comunitária, dos movimentos sociais organizados, organizações não governamentais, igrejas, etc.

Atualmente, o processo de apropriação do conceito de vulnerabilidade como alternativa de avanço na compreensão e intervenção em aids vem estabelecendo parâmetros que mensuram maior ou menor grau da mesma em relação a infecção pelo HIV. O conceito de vulnerabilidade aplicado a saúde tem sido compreendido como o resultado da militância frente a epidemia da aids e o movimento dos direitos humanos (Aids in The Word, mann & cols, 1993). De certa forma simplista, pode ser entendido como o potencial de resposta, referencial ou instrumental que considera os fatores biopsicosociais de indivíduos e da coletividade.

Enfrentamento

É nesse cenário que algumas organizações cristãs começam a se dar conta que nas estatísticas em relação a aids, um percentual ainda não mensurado oficialmente, mas identificados nos serviços públicos, ganha destaque. A comunidade evangélica tem se infectado e engrossado as fileiras da feminilização, da jovialização e da pauperização, uma vez que estão nessas comunidades mulheres com um único parceiro sem que ambos façam uso de preservativo, jovens com vida sexual ativa “secreta”, e uma grande população pobre que enche os templos. A prevenção tem sido difícil na medida em que não se cria o espaço para a discussão deste tema acrescido ao fato que muitos continuam acreditando que aids é “doença do pecado” e por tanto, não os atinge.

A aids está intimamente relacionada com a sexualidade, assim sendo, tem sido muitas vezes um assunto omitido, não considerado ou abordado de forma superficial ou preconceituosa.

A sexualidade tem sido abordada em algumas situações, reduzida a esfera biológica acompanhada, ainda, do conceito dualista e medieval que separa corpo e espírito e sem incluir os aspectos de afetividade e responsabilidade tendo como conseqüência se tornado tabu especialmente no universo cristão.
A Igreja cristã, historicamente, tem tido dificuldade de abrir espaço para trabalhar a questão da sexualidade da mesma forma que trabalha o crescimento espiritual. Ao mesmo tempo que tem em sua essência como comunidade de fé, um papel e missão terapêutica, também se torna com essa omissão um dos agentes repressores da sexualidade, ou pelo menos não cumpre o seu papel de promover o desenvolvimento integral do ser humano, na sua missão de defender a vida.

Numa sociedade onde a erotização (voltada para o culto ao corpo como objeto de prazer, não incluindo, de certa forma a auto estima, a afetividade e estimulando o prazer por prazer) torna o sexo uma coisa banalizada e talvez de certa maneira, sendo uma resposta extremista à repressão.
Convivemos com uma crescente demanda de irmãos e irmãs, jovens, idosos, portadores do vírus HIV e gestantes precoces em nossas comunidades de fé. A realidade da epidemia está bem perto de nós. Falar e pensar a cerca da questão da sexualidade não é libertinagem. A igreja tem um papel importante para reflexão de valores e princípios e torna-se, portanto, necessário e urgente incluir a temática em nossas agendas. Se nós como Igreja assumirmos o desafio de tratar esta questão de forma equilibrada, considerando os dados epidemiológicos que evidenciam a pandemia e seu caráter de vulnerabilidade, considerando que a sexualidade é parte da pessoa inteira e não um apêndice e está diretamente ligada a afetividade e responsabilidade, poderemos dar uma grande contribuição para a sociedade na busca de estratégias de enfrentamento da expansão da epidemia.

A não possibilidade da fala, o silêncio, a discriminação reafirmam a culpa, a quebra da relação com Deus e a perda de valores espirituais, éticos e morais, acarretando doenças emocionais sem precedentes nos indivíduos vitimas da aids e ou gravidez precoce SAE (Serviço de Assistência Especializada).

LindalvaCorrea. (Assistente Social e membro da igreja Metodista do Brasil.

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