"ABUJAMRA I LOVE"
José Antonio Teixeira/Assembleia Legislativa de São Paulo
O dramaturgo José Celso Martinez Correa
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Amigo de Antônio Abujamra desde os anos 1960, o diretor e dramaturgo José Celso Martinez Corrêa, enviou aoUOL uma "carta de amor" que escreveu para o colega, morto nesta terça-feira (28). Além de exaltar a vida e a obra de "Abu", como carinhosamente o chama, Zé Celso fala da importância de seu trabalho na atualidade, quando a "direita sai do armário", e relembra momentos da carreira do ator e diretor, como quando ele dirigiu a peça "José, do Parto à Sepultura", de Augusto Boal, no Teatro Oficina, e quando Abujamra assumiu a direção do programa "Ensaio", na TV Cultura, quando a convidada era a cantora Maysa, em 1975.
Leia abaixo:
"ABUJAMRA I LOVE
Meu lindo e carinhoso amigo Abujamra, você nem bem morreu e já renasceu. Óbvio, você, amado, sempre foi eterno.
Entre os seres humanos, dos mais amados e grandiosos, um deus garanhão, gerador de filhos mortais e imortais, nos rastros luminosos, férteis vestígios vivos de todas suas criações, vindas do seu "Corpo Vida Obra de Arte". Isso fica mais que amor de pica.
Não me veio à mente, logo que soube da tua morte, amado, teu Ser Humano Pluridimensional: extraordinário diretor, ator de teatro, TV, cinema, internet.
Mas, ao contrário, baixou a visão do grande gênio, sábio, bruxo, amante, jogador da vida. Fui possuído pelo teu valor humano concreto como dos "Heróis de Plutarco". Escrevo esse clichê, como um tapume, por não encontrar a palavra certa.
Diante da miséria humana atual, você me revelou sua sabedoria irônica, sorridente, amorosa, talentosa de gênio, grávida de inspiração para a nossa mais que sobrevivência atual.
Enfim, tudo o que poderia dizer do máximo valor que dou a um ser humano, que consegue chegar à grandeza papal do Palhaço, do saber rir de si, me veio de volta, com valor muito mais alto do que o da Bol$a.
Nesses dias em que a direita sai do armário e, diferentemente dos gays, sai fazendo questão de mostrar sua burrice, ressentimento, ódio, mau humor, falta de educação, cultura, espírito de vingança, enfim, os sentimentos humanos mais destrutivos e medíocres, tua figura humana, Abu, virou um imenso e necessário farol.
Sábio, talentoso, engraçado, levanta-se como um Titã, um Gigante de Humanidade, diante deste bando de pobres "piolhos".
Abujamra, sabe o que vi quando soube da tua morte? Você senador, eu estava lá contigo, num Congresso, diante daquele Senador de ruivos cabelos implantados, e de um Coro d'EduArdos CÚnhÂnus. Sua Beleza posta diante de um Bando de Bostas.
Amado Abu, senti aí uma questão de teu talento pra ser humano, incomparável, mais do que nunca, neste ano 2015.
Você que ama, que praticou sempre a arte política que é o Teatro em si, diante daqueles odiadores canastrões, que nem amadores conseguem ser, nos revela que temos muito o que aprender com tudo que você nos deixou. Teu sentimento de ser, é nossa maior arma pra devorar este Golpismo Pentelho.
Neste bostal, surgiu clara a epifania de sua Divindade Estelar, humilde de tanta humanidade.
Quem morre neste dia 28 é um brasileiro, um dos velhos do mundo, que mais Sabe das Coisas, que é, antes de tudo, no sentido milenar, um ser, um monstro de Teatro, um Diretor em que o 'phisique du rôle' é o de um grande ator, que por isso mesmo extrapola o teatro e todas as mídias e chega à Sabedoria da Humanidade Inteligente, rara, dos que nem sei como chamar.
Mas tem a ver com a Sabedoria Carinhosa Risonha Irônica do Amor, que em seus olhos sorridentes sempre brilhou.
Você sempre soube que foi minha 'musa inspiradora' para o 'O Rei da Vela'.
No comecinho dos anos 1960, no segundo ano de vida do Teatro Oficina, convidamos você, Abu, para dirigir a ótima peça de Augusto Boal "José, do Parto à Sepultura". A peça não tinha personagens, mas, sim, 'entidades'. O Zé é, por exemplo, 'todomundo', 'qualquer um', 'todos nós'.
Tua direção, Abu, se deu perfeitamente com este teatro. E mais: radicalizou com o que você trazia de formalmente mais belo e contemporâneo, nos atores, atrizes, com seus figurinos coloridos nas marcações, desenhando no "Teatro Sanduíche" corografias com pessoas que criavam arquiteturas cênicas Mehyerholdianas . No elenco, olha só: Miriam Muniz, Fauzi Arap, Etty Frazer, Chico Martins, Ronaldo Daniel, Emilio de Biasi, Wolfgang, Geraldo Del Rey.
Era novo, era magnífico.
Mas, lembra?
Ninguém foi assistir. O público, nesta época, era viciado em realismo, e a peça teve de sair de cartaz.
Mas teve seu renascimento do 'Teatro de Entidades' de Oswald de Andrade no sucesso de 'O Rei da Vela'.
Você, coelho criador, pariu inúmeras companhias de teatro, desde uma dinastia de artistas do "Circo Abujamra": André, gêmeo-gênio do pai, Clarisse, Iara, Márcia... Até outros que nem teu sobrenome têm.
Na TV, além do seu desempenho só comparável ao de Chacrinha, fazendo seu Bruxo Xamã na tediosa Globo, deixou um filmaço no programa do Fernando Faro, na TV Cultura.
Um certo dia, o diretor Faro não pôde estar na gravação. Abu, você, gato, jovem ainda, era assistente dele. Maysa chegou completamente bêbada. O time da gravação queria adiar e não gravar devido ao estado em que estava a cantora. Mas você, affectionate angry youg man, pôs o pau na mesa: 'Sou assistente do diretor, e vamos gravar'.
Tua audácia criou assim um dos programas mais belos da TV brasileira, um "filme". Maysa está maravilhosa, uma Bacante Dionisíaca, cantando, bebendo, fumando, sendo.
Nunca cantou, falou, tão bem. No clímax da emoção, em que ela dizia 'as pessoas hoje têm medo de ser', em você, Abu, começou a rolar o 'pré-Provocações'. Logo na primeira pergunta, Maysa responde: 'O Chê, eu vim aqui por Você!'. Continua rolando a provocação. De repente, você, Abu, faz uma pergunta, não me lembro qual, só sei que era uma quente, de ir dentro do dentro do ser da Maysa.
Ela ouve, reage com um cigarro aceso na mão e fica buscando a resposta, numa busca vívida, real, uma cena de silêncio absoluto, eloquente, em que essa deusa o tempo todo busca o sentido de ser... Você, tendo que, diante da equipe, segurar aquele silêncio interminável, magnífico, que nem Bergman conseguiu. Aí disse, feliz: 'Corta'. E fez entrar os créditos do programa, sobre Maysa cantando: "Ninguém pode calar dentro em mim".
Vocês dois, a partir de hoje, são imortais, deixaram esse vestígio de fertilidade, num momento jamais visto de silêncio e beleza muda falante na TV. E você já deve ter se encontrado e perguntado à mulher da tua vida: "que te parece, Belinha?"
Lembra quando estivemos fazendo aquela leitura, não sei se de Lênin ou Stálin, mas lembro, está viva em mim, até agora, nossa amada parceria, que sempre existiu na vida e agora vai seguir na eternidade da morte.
Nosso amado gênio Hugo Rodas, eu e milhares de amigos teus estamos vivendo, enquanto estamos vivos com você vida dentro e vida afora.
Você deixa uma grande fortuna, maior que a do 1% dos trilionários, desde já dada. Para a riqueza de toda a humanidade que gosta de ser humana.
Vou te dizer o que Lili Brick disse depois que respondeu o 'I love' que Maiakowiski lhe deixou em sua 'carta testamento', de seu suicídio. Aos 85 anos, depois de contar tudo que sabia a uns beatniks com quem se encontrou em Moscou, Lili se matou. Ela entendeu o pedido do amado: de cuidar de sua memória. Foi a ela que dedicou toda sua vida.
Amado Abu,
'I Love'
Mas não pretendo me suicidar, porque tua história é longa, muito longa para contar... Mas está no ar que respiramos.
Zé, 28 de Abril de 2015"
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