Quando penso em Belchior ! Por Aécio Cândido

Quando penso em Belchior, penso também, quase sempre, em Dorival Caymmi. Os dois têm uma obra pequena, relativamente, mas composta, toda ela, de obras-primas. Só fizeram coisas grandiosas. Elis Regina tinha um faro fino, apuradíssimo, para reconhecer o que é bom. E reconheceu de imediato o talento caudaloso daquele jovem vindo do Ceará e a qualidade dos seus versos. Gravou, de cara, Mucuripe e Como Nossos Pais.

Um artigo da Folha de São Paulo, no dia de sua morte, destaca o caráter de crônica de muitas das letras de Belchior. É isto mesmo. Belchior é um grande poeta porque é um grande cronista. A boa crônica se faz realçando a profundidade do muito simples. O olhar do poeta nos faz ver que coisas muito simples são na verdade muito profundas. E vice-versa. O cronista é um filósofo. 

Imagine alguém que pondera, com certa angústia, mas com a coragem do enfrentamento: "Deixemos de coisas, cuidemos da vida,/ Senão chega a morte ou coisa parecida / E nos arrasta, moço, sem ter visto a vida" São versos de Hora do Almoço, música de estreia (1971). É a crônica de um almoço em família, meio taciturno. A descrição é econômica, mas precisa: “No centro da sala, diante da mesa, / No fundo do prato, comida e tristeza. /A gente se olha, se toca e se cala / E se desentende no instante em que fala”. 

Em Como Nossos Pais, que é toda um poema de versos magistrais, a consciência de que a vida é maior do que tudo, de que qualquer arte, e que é a matéria bruta de tudo que se segue: “Não quero lhe falar / Meu grande amor / Das coisas que aprendi / Nos discos / Quero lhe contar como eu vivi /
E tudo o que aconteceu comigo”. 


E que bela comparação esta, para precisar uma dimensão incomum de alegria: “Eu era alegre como um rio, / Um bicho, um bando de pardais, / Como um galo, quando havia... / Quando havia galos, noites e quintais”.


Crispiniano, hoje, no WhatsApp, lembra mais um verso de cronista: “Não preciso que me digam / de que lado nasce o Sol, / Porque bate lá meu coração”. 

Belchior foi de uma turma que, no início dos anos 1970, colocou o Ceará no centro musical do Brasil. A Literatura cearense já conhecera tal deslocamento: José de Alencar e Rachel de Queiroz já tinham pautado uma agenda literária com foco no Ceará. Junto com Belchior, desceram Fagner, Ednardo, Amelinha. Tudo gente com muita coisa para dizer. Belchior era um espírito refinado: estava traduzindo A Divina Comédia, de Dante. É de se perguntar: o que aconteceu com o Ceará e com os cearenses nos últimos 40 anos? Por que a geração de Wesley Safadão, nascida no mesmo solo, embalada pelos mesmos ventos salgados e herdeira do mesmo DNA mestiço, não amarra, nem de longe, as chuteiras da geração de Belchior? Eis uma boa questão para os sociólogos mastigarem.

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